domingo, 27 de janeiro de 2008

O CLUDE DOS TREZE DIVIDINDO ÁGUAS

Maracanã, 04 de Dezembro de 2007.
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À COPA UNIÃO, O RESPEITO QUE ELA MERECE
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Ontem à noite, como o bom senso recomendava, a CBF não entregou a taça das bolinhas ao São Paulo, legítimo pentacampeão brasileiro. Muita gente concorda com essa premiação, mas precisa saber o que significa defender que o Flamengo tem apenas 4 títulos nacionais e a Copa União de 1987 não foi um campeonato brasileiro, e sim uma outra coisa qualquer. A Copa União representa o fim da ditadura, no futebol, e o fim da ditadura no futebol. Quem declara o São Paulo o primeiro pentacampeão brasileiro tem que saber que está levando de brinde as idéias estapafúrdias de Médici, Geisel e Figueiredo, na condução do maior esporte nacional. Ou o sujeito dá à Copa União o valor que ela merece, ou então pode continuar dizendo que o Flamengo é tetra, e, assim, passa a equilibrar na cabeça o pacote completo da ingerência militar.
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O campeonato brasileiro foi uma invenção do Médici, que, aliás, adorava futebol. O Emílio promoveu a troca de treinador da Seleção em 1969, usou o tri-campeonato de 1970 muito bem e descobriu que um país como o Brasil não poderia não ter um Campeonato Brasileiro de Futebol. Em 1971, pegaram o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, mudaram de nome e criaram o 1º Brasileirão, realizando o desejo do senhor. Qual a diferença entre esses dois campeonatos, tirando o rótulo? Nenhuma. O regulamento do campeonato teve algumas mudanças, mas é bom lembrar que a primeira vez que um Brasileiro não teve mudança nenhuma de um ano para o outro foi agora, em 2007.
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Assim, a razão determina que o título do Fluminense em 1970 é tão brasileiro quanto o do Atlético Mineiro, de 1971. A CBF não reconhece essa conquista tricolor, apesar de nem existir naquela época. Durante a ditadura, o nosso título nacional foi amplamente utilizado para fins não esportivos (Vide a política utilizada em Brasília: "Onde a Arena vai mal, um time no Nacional!"). A CBD, que organizava a competição, não era boba de fazer cocô fora do penico e, assim, chegamos a ter quase 100 times disputando o campeonato, no fim dos anos 70. Os grandes clubes eram os mais prejudicados, tendo que enfrentar equipes semi-profissionais de vários estados sem nenhuma tradição no futebol, mas com deputados muito influentes.
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Em 1979, chegamos ao recorde de 94 times e 22 dos 24 estados brasileiros da época representados no Brasileirão. Tinha Rio Negro-AM, Itabaiana-SE, Guará-DF, Colatina-ES, Novo Hamburgo-RS, era uma festa! No fim de 1979, foi extinta a CBD e criada a CBF, que passou a organizar o campeonato em 1980. Como essa já era uma época menos intranqüila politicamente, com o Figueiredo cuidando dos seus cavalos, os grandes clubes aproveitaram a criação da CBF para pressioná-la por uma competição de verdade, e não um bando de times com regulamentos esdrúxulos (média de renda, por exemplo, chegou a ser critério de desempate).
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Ficou estabelecido que os campeonatos a partir de 1980 teriam 44 times (ainda um absurdo, mas bem melhor que os 94 de 1979), e havia critérios esportivos muito bem definidos (claro que, às vezes, desrespeitados, pois é devagar que se anda). Em 1986 ficou evidenciada a falência moral, técnica e financeira da CBF, de Nabi Abi Chedid e Octávio Pinto Guimarães, os euricos da época. Na prática, o campeonato desse ano teve 80 times e, cansados de convites escusos, manobras de bastidores e muito roubo, os maiores clubes brasileiros fundaram o Clube dos 13, em 1987, para pararem de subsidiar timecos de quinta categoria durante o Nacional. A revolta se deu após o fim da ditadura, já com Sarney no governo. A gente não precisava mais fingir que estava tudo bem.
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A Copa União de 1987 foi idealizada e organizada pelo Clube dos 13, um Campeonato Brasileiro com 16 times, fórmula simples e rentável, como na época em que não havia dedo do governo no futebol. O sucesso de público dessa competição mostrou que não inventar era uma excelente idéia. A CBF, alijada e constrangida, definiu, na quinta rodada do campeonato, que o campeão e vice da Copa União teriam que disputar um quadrangular com dois times do campeonato que sobrou para ela promover, o Módulo Amarelo. "Módulo Verde", aliás, é como a CBF resolveu chamar a Copa União, para criar mais 3 divisões, os Módulos Amarelo, Azul e Branco. Talvez ela achasse a Copa União a mais importante, para chamá-la de "Verde", a "primeira cor" da bandeira nacional.
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Obviamente, não houve o tal confronto e o resto da história todo mundo sabe. Infelizmente, o que não é divulgada é a importância dessa Copa na história do campeonato brasileiro. Depois da Revolta dos 13, oito estados brasileiros nunca mais conseguiram pôr um time no campeonato: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Piauí, Maranhão e Amazonas. E o Espírito Santo só disputou em 1993, com o inchaço promovido para subir o Grêmio para a primeira divisão. A média de times por ano até 1986 era de 50 times por campeonato. De 1987 para cá, estamos em 23 participantes por ano. Ou seja, em média, 27 times por ano foram excluídos da festa, por pura incompetência e incapacidade de disputar a primeira divisão. Cinco estados foram, num primeiro momento, excluídos: Santa Catarina, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará. Mas seus principais clubes se organizaram e conseguiram voltar à elite em vários anos.
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O Brasil, enfim, copiava tudo o que deu certo nos grandes centros de futebol do mundo. Fez o seu campeonato realmente enxuto, apenas com os melhores, e resolveu os problemas da exclusão dos incompetentes exatamente como a Europa inteira faz, realizando grandes copas nacionais. Assim, em 1989 estava criada a Copa do Brasil, competição onde todos os grandes jogavam, e era quando vários mínimos clubes brasileiros tinham a chance de não sumir. Portugal, por exemplo, teve essa mesma idéia no fim dos anos 30 do século passado, já copiando o sucesso da fórmula utilizada pela Inglaterra, Alemanha e Itália.
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Em 1987, Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Inter, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco prestaram um serviço eterno e imensurável ao futebol brasileiro. Tiraram, do mais importante campeonato do país, aqueles que entravam por critérios políticos, e não técnicos. E, assim, enterraram a ditadura militar. O atual sucesso em que vivemos foi construído em três tempos: (a) em 1959, com o primeiro campeonato nacional de clubes; (b) em 1987, com a Copa União e a exclusão da corja dos incompetentes e; (c) em 2003, com o turno e returno por pontos corridos, fórmula justa e definitiva e, principalmente, com o respeito às regras e o fim das intermináveis viradas de mesa, fazendo o Botafogo e o Palmeiras disputarem a segunda divisão e voltarem por méritos próprios e apenas esportivos.
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Eu escolhi ficar do lado da Copa União, do Flamengo e do futebol brasileiro nessa discussão. À quem prefere o Geisel, boa sorte.
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