quinta-feira, 8 de maio de 2008

POR QUE, DE NOVO, O ABSURDO NOS ACONTECE?

FOI IGUAL AO ANO PASSADO. SERÁ IGUAL NO ANO QUE VEM?
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Como explicar o inexplicável? A derrota de ontem, pro lanterna do campeonato mexicano, num Maracanã com mais de 50 mil pessoas, nem o América esperava. 3 a 0, então, surpreendeu até o Barbosa, independente de onde ele esteja. Vários analistas de plantão deram as suas versões pro ocorrido, e a imensa maioria dessas análises foram rápidas e fáceis. Pode-se dividir esses analistas em três categorias.
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A primeira categoria trata do analista de resultado (exemplo: Muricy Ramalho). Não viu o jogo, não viu o compacto, não viu os melhores momentos, não viu nem os gols. Soube do resultado pela imprensa e, imediatamente, formou a sua opinião. Ele já sabe que o Flamengo menosprezou o América, que achou que a classificação estava garantida lá no México e recebeu a punição que deveria ter recebido. Falta de respeito, no futebol, dá nisso.
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A segunda categoria é referente ao pós-analista (exemplo: Eric Faria). Viu o jogo, se surpreendeu com o que aconteceu, e logo após o fim da partida começou a questionar tudo o que ocorreu nos últimos três dias na Gávea, associando as festas à derrota de ontem. Mas ele acompanhou todas as comemorações e festejos desde o domingo, e não disse nada, só respaldou as celebrações em suas matérias diárias. Ele só sugere o porquê da derrota após ela acontecer. Antes, ele prefere manter segredo.
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E a terceira e última categoria, a que eu prefiro, é a do analista boquiaberto (exemplo: Sérgio Noronha). Não sabe o que dizer, não tem o que falar, apenas está catatônico com a catástrofe. Se sente tão culpado pela derrota quanto os jogadores, e acha que todos deveríamos ter dado mais atenção a esse confronto.
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Todos estes analistas estão cobertos de razão, como sempre, e tivemos ainda algumas outras opiniões: o Lédio Carmona disse que o Flamengo jogou muito mais, correu, tentou, lutou, mas tudo deu errado, e o América se aproveitou de uma noite rubro-negra extremamente infeliz. Já o Joel achou que eles fizeram um monte de gols com a bola resvalando em alguém e caindo no saco, enquanto o Cristian classificou os gols tomados como “bobos”. (Eu já acho que bobo sou eu, que fui ver esse jogo.)
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O milagre mexicano, ou a catástrofe rubro-negra, começou a se desenhar há muito tempo atrás. Desde a formação do universo que o Flamengo vive de ataque. Qualquer time rubro-negro, em qualquer situação, dentro de casa, tem que atacar, tem que ganhar, tem que golear, massacrar, detonar... E é isso que alimenta a torcida. A alma rubro-negra vive de pressão, muita pressão em cima do adversário, sempre. Desde Adão e Eva as coisas funcionam assim na Gávea. E isto é ruim?
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Impossível avaliar. Até porque todas as conquistas nossas foram baseadas nessa forma de existir. Tudo que o Flamengo levou pra casa, ele levou assim, pressionando, buscando e mordendo. E muita dessa pressão vem da arquibancada. O torcedor obriga o time a avançar, a agredir, a atacar. E foi desta forma que construímos a maior torcida do mundo – solidária na saúde ou na doença, até que a morte nos una na eternidade.
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Portanto, esse é o nosso melhor: a necessidade de vencer, mesmo quando não precisamos. Mas é fato que essa busca, incontrolável e obsessiva, tem nos custado campeonatos importantes. O Flamengo se expõe em situações absurdas, quando essa exposição excessiva só interessa ao adversário, que é presenteado com a possibilidade de contra-ataques, quando o normal seria ele ter que se expor. Mas no Flamengo não, ninguém precisa correr riscos, porque nós os corremos por nós mesmos e por quem mais quiser.
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No dia 2 de Maio de 2007, às 11 horas da noite, estávamos nas oitavas da Libertadores, no intervalo de Defensor 1x0 Flamengo. Na mesma hora, pela mesma competição, tínhamos o mesmo 1x0, no Morumbi, pra São Paulo x Grêmio. Ou seja, cariocas e gaúchos estavam exatamente iguais. Jogando a primeira partida fora de casa e tomando de 1x0 no intervalo. Os técnicos dos times que estavam perdendo foram entrevistados pela Rede Globo, que fazia os dois jogos ao vivo. O Ney Franco disse que iria trocar um ou dois jogadores, e o Flamengo viraria aquele jogo mole. O Mano Menezes falou que o jogo estava bom daquele jeito. O Ney, que achou aquilo ruim, mandou o Mengão pra frente e tomou de 3x0. O Mano, com opinião contrária, segurou o São Paulo e garantiu uma derrota mínima. Nos jogos da volta, uma semana depois, ambos os times, Flamengo e Grêmio, ganharam em casa por 2x0. O Mengão dançou, o Grêmio não.
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No dia 26 de Novembro de 2000, o Cruzeiro estava nas oitavas do campeonato brasileiro, e jogava o jogo da volta contra o Malutrom, no Mineirão. Na ida, no Paraná, o Cruzeiro ganhara de 3x0, e, logo no início do jogo em Minas, abriu o placar e resolveu cozinhar o resto da partida. Bola pra lá, bola pra cá... Faltando 5 minutos pra acabar o jogo e o confronto, o Malutrom empatou e o Mineirão inteiro, lotado, que tinha ido lá pra ver um show, começou a vaiar. O Felipão não entendia direito o que estava acontecendo. Pro gaúcho, o jogo estava 4x1 pro Cruzeiro, o que seria motivo de festa. Pro mineiro, ocorria ali um empate vergonhoso contra um time medíocre, e em casa! O choque cultural foi intenso, e não houve solução. O Felipão pedia pras pessoas aplaudirem e a arquibancada vaiava. (A mesma coisa aconteceu anteontem, no Maracanã, entre outro técnico gaúcho e vários outros torcedores cariocas.)
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Em 1996, no Brasileirão, o Grêmio brigava pelas primeiras posições na tabela quando foi jogar contra o quase rebaixado Fluminense no Olímpico, precisando de uma vitória simples pra se classificar: venceu por 4x2 e teve festa na arquibancada. Pois bem, nos três jogos seguintes, o Grêmio de Felipão perdeu três vezes e voltou ao Olímpico, na última rodada, pra jogar contra o Goiás, que precisava da vitória pra garantir a sua classificação. Ou seja, o Goiás tinha que vencer, mas o Grêmio não. O jogo foi 3x1 pros goianos, a quarta derrota seguida do tricolor gaúcho e... Festa na arquibancada! Assim são os gaúchos, assim são os uruguaios, assim são os argentinos.
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Nós, cariocas e rubro-negros, temos uma história no futebol muito distinta e, por isso, vemos o jogo completamente diferente. Conquistamos muita coisa assim e ainda temos muito a ganhar com isso. Mas não a Libertadores da América.