terça-feira, 6 de maio de 2008

O FIM DA HISTÓRIA

O MANEQUINHO DEVERIA SER MAIS MANIQUEÍSTA
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O Romário disse, há algum tempo atrás, que poucas pessoas entendem o que significa o Eurico Miranda pro Vasco. Quando ele, Romário, começou a sua carreira, a mentalidade vascaína era uma. Após a sua volta ao Vasco, em 2000, ele notou que havia algo de novo na Colina. Em sua primeira passagem, o Vasco conquistara vários títulos e perdera outros tantos. Mas, segundo o Romário, a segunda-feira pós-derrota era um dia quase normal, quase-nada-demais. Era ruim perder? Era péssimo. Mas o técnico continuava técnico, o vice de futebol estava sempre tranqüilo e o presidente não sofria pressões. Não havia caça às bruxas nem brigas internas. Uma semana depois, ninguém mais lembrava do que tinha acontecido. O Romário, após a sua primeira saída, ficou 12 anos longe de São Januário.
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Nesse período, o Eurico Miranda ganhou força, se tornou "presidente vitalício", e deu ao Vasco o maior time e a maior fase de conquistas de toda a sua história. Mas isso todo mundo sabe. O que só o Romário viu, foi a mudança de paradigma, de referência. O Vasco, segundo o baixinho, se comportava agora exatamente como o Flamengo, nos 5 anos em que ele ficara na Gávea. Podia ganhar, ou perder. Mas, em caso de derrota, até o porteiro era demitido. Sempre foi assim na Gávea, e assim passava a ser em São Januário. O inconformismo com a perda, ou a necessidade da vitória, passava a ditar os rumos dos vascaínos.
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Mudar a mentalidade de um time, de um clube e, principalmente, de sua torcida, é coisa pra ser feita em décadas. O Eurico fez em alguns anos. O José Carlos Araújo disse uma vez que tomou um susto quando viu algo que nunca tinha presenciado antes: um grupo de meninos, todos com a camisa do Vasco, num bairro da zona sul do Rio de Janeiro. O Romário já estava de volta ao Vasco nessa época, e provavelmente se assustou também. Porque é a intolerância com a derrota que gera a busca incansável pela vitória. E, com isso, você cria conquistas e forma novos torcedores. (E é essa gana que faz uma torcida comprar 50 mil ingressos em um único dia de vendas, que faz um lateral direito comemorar, com raiva, uma falta mal batida pelo adversário.)
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Não tenho absolutamente nada a favor do Eurico, mas é difícil arrumar argumentos contra um depoimento desses, de alguém que conheceu dois Vascos, e que conseguiu expressar o abismo de diferença que havia entre eles. Hoje em dia, por exemplo, o Vasco está numa fase horrível, sem títulos há 5 anos. E, exatamente por isso, toda a hora cai um coordenador, volta e meia um técnico é demitido. Tem gente que acha isso errado. Eu penso que não é uma questão de avaliação de planejamento, é simplesmente a forma como o clube se vê diante de um sucesso ou um fracasso. No Flamengo, por exemplo, esse título carioca de 2008, inclusive por ser o trigésimo estadual do clube, pôs no paraíso todos aqueles que participaram da conquista. Mas, se tivessem perdido as duas partidas das finais, nem o massagista ficaria vivo. Ou seja, não há meio termo, não há dúvidas: ou os caras são os heróis da massa, ou vai todo mundo pro buraco. Sempre foi assim no Flamengo, e, desde o Eurico, é assim no Vasco. (Trata-se do maniqueísmo de resultados.)
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Mas, por incrível que possa parecer, eu estou aqui pra falar do Botafogo. General Severiano que se cuide, pois essa festa toda que a torcida está fazendo pro Cuca e seus jogadores é altamente louvável, digna e mostra o quanto essas pessoas se identificam com quem trabalha sério pelo clube. Mas, por outro lado, essa dedicação efusiva pode estar escondendo uma resignação coletiva que funciona como uma âncora no pescoço do manequinho. O conformismo alvinegro não me surpreende, mas mostra como somos diferentes, e o que essa diferença representa. Porque a resignação é irmã gêmea da complacência. E os condescendentes torcedores alvinegros podem estar dando o aval pra última tacada: "Fique Cuca, fique quanto tempo você quiser, pois aqui no Botafogo, a simpatia, a hombridade, o respeito e o caráter nos bastam. Ganhar ou perder é o que menos importa."
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"Não acho o fim do mundo ter perdido essa decisão." Essa é a frase que está num blog da torcida do Botafogo, na Globo.com, e exprime exatamente o que estou dizendo. A questão é que essa simpatia incondicional com o fracasso, queiram ou não, uma hora, cansa. Depois de longos períodos de derrotas consecutivas, qualquer um perde a paciência e, simplesmente, não tem mais força nem pra reclamar. O torcedor pára de comprar ingressos, desliga a televisão e vai cuidar da sua vida. Ele pára de se importar e, claro que sem querer, empurra o clube rumo ao inferno. Este sentimento geral dos alvinegros, nesta segunda-feira pós-derrota de campeonato pro seu maior rival, contrasta drasticamente com o sentimento padrão do rubro-negro, que morre, na arquibancada do Maracanã, a cada título perdido. O fim da história de glórias botafoguenses parece estar cada vez mais próximo, porém, na verdade, mais cedo ou mais tarde, e por bem ou por mal, o torcedor do Botafogo vai entender, como o rubro-negro e o vascaíno já entenderam, que time que pode perder não tem a menor chance de ganhar. (E tudo estará resolvido.)